quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Mostra com obras raras traz pela primeira vez pioneiro do cinema baiano para Porto Alegre



Agildo Ribeiro, em Tocaia no Asfalto


Pela primeira vez, o público gaúcho poderá conferir a genialidade artesã de Roberto Pires, diretor de clássicos como os premiados "Tocaia no Asfalto" (1962) e "Césio 137 - O Pesadelo de Goiânia" (1990). O cineasta responsável pelo primeiro longa metragem baiano, "Redenção" (1959), ganhará a "Mostra Especial Roberto Pires, o Pioneiro da Bahia" no Cine Santander, de 01 a 05 de setembro, mês de seu aniversário de 76 anos. Serão exibidos seis de seus principais filmes, como "A Grande Feira" (1961), "Máscara da Traição" (1969) e "Abrigo Nuclear" (1981). Uma biografia do cineasta também será exibida, com o curta "O Artesão dos Sonhos" (2007), de Paulo Hermida e Petrus Pires, filho do cineasta.

A Mostra exibirá "Redenção" restaurado digitalmente recentemente. O filme conseguiu dar impulso aos anseios de jovens da Bahia apaixonados pelo cinema, entre eles, Glauber Rocha. A partir de então, a Bahia passa por um período de grande produção cinematográfica denominado Ciclo Bahiano de Cinema. Durante o Ciclo, Salvador chegou a ser considerada a Meca do Cinema Mundial. Com Rex Schindler e Glauber Rocha incorporados ao grupo da Iglu Filmes, deram início a produção de três longas metragens importantes para o Ciclo Bahiano de Cinema. A Grande Feira e Tocaia no Asfalto, dirigidos por Roberto Pires, além de Barravento que, por indicação de Pires, acabou sendo dirigido por Glauber Rocha. No sábado (04), às 19h, o filme terá uma sessão comentada por João Pedro Fleck, do Clube de Cinema de Porto Alegre e sócio-criador do FANTASPOA.

"A Grande Feira" mostra o drama da Feira de Água de Meninos. Com um elenco composto por personalidades baianas da época, como o cordelista Cuíca de Santo Amaro, que abre e fecha o filme, a trama mostra a luta pela permanência dos feirantes no local contra os interesses comerciais, que deseja expandir-se na área. Ironicamente, a Feira de Águas de Meninos, que era a principal da Bahia, deixou de desisitr com um incêndio anos depois do lançamento do filme. "A Grande Feira" se tornou, então um registro do universo rico e particular da feira.

O crítico de cinema André Setaro considera "Tocaia no Asfalto" um "thriller genuinamente baiano realizado em 1962, que aborda o relacionamento dos políticos com a criminalidade e as idiossincrasias de personalidade de um pistoleiro de aluguel". Para ele, no filme "destaca-se sobremaneira a artesania de Pires, o domínio pelo qual articula os elementos da linguagem cinematográfica em função da explicitação temática. Seu trabalho, nesse particular, é de ourivesaria e, aqui, em Tocaia no asfalto, tem-se um exemplo onde a narrativa suplanta a fábula, ainda que os dois planos sempre devam ser observados em processo de simbiose". O filme ganhou o Prêmio Saci em 1963.

"Máscara da Traição", com a participação de Tarcísio Meira, Glória Menezes e Cláudio Marzo no elenco, narra um roubo no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. O filme chegou a ser censurado pela ditadura militar pela perfeita engenhosidade de seu trama, que, segundo os censores, ensinariam a fazer um assalto. Depois das explicações do diretor Roberto Pires, de como as cenas teriam sido montadas (em especial a cena em que o ator Marzo se passa pelo personagem de Tarcísio Meira), o filme foi liberado.

Ainda no Rio, Roberto começa a se interessar pela questão da energia nuclear. Desenvolve pesquisas e projetos e busca apoio de César Lattes, cientista brasileiro de renome mundial. Enquanto o governo militar estava assinando um acordo com a Alemanha para a construção das usinas nucleares em Angra dos Reis, Roberto Pires estava tentando fazer um documentário para denunciar o perigo da energia nuclear. De volta a Salvador e sem conseguir realizar o documentário, Roberto Pires inseriu todo seu conhecimento e denúncia dentro do longa metragem "Abrigo Nuclear". O filme de ficção científica foi realizado artesanalmente e com a forte participação de sua família e amigos mais próximos.

Em busca da realização de Inverno Nuclear, um novo projeto com a temática da energia atômica, Roberto passa a morar em Brasília, e participa do movimento cinematográfico no Distrito Federal. Um acidente radioativo grave com césio em Goiânia deixa milhares de vítimas, algumas fatais, e chama a atenção do diretor. Roberto desenvolveu pesquisas, entrevistou os sobreviventes do acidente, e dirigiu "Césio 137 - O pesadelo de Goiânia", seu último longa metragem. O filme levou 6 prêmios no Festival de Cinema de Brasília de 1990. Até hoje, o filme é referência contra o absurdo do mal uso da energia atômica.


Um gaúcho no primeiro longa metragem baiano

Alexandre Gnatalli nasceu no ano de 1918, em Porto Alegre (RS). O músico gaúcho é um dos poucos não baianos que contribuíram com o primeiro longa metragem baiano, Redenção (1959). Gnatalli assina a trilha original do filme de Roberto Pires. Maestro que acompanhou com sua orquestra gravações de diversos artistas, entre os quais Emilinha Borba, Roberto Carlos, Edu da Gaita, Albertinho Fortuna e Grande Otelo, foi um dos regentes e orquestradores da Rádio Nacional, em sua época áurea nos anos 1940 e 1950.

Gnatalli começou a compor para o cinema na década de 50, com os arranjos para as músicas compostas por Zé Kéti para o filme "Rio zona norte", de Nelson Pereira dos Santos, marco na cinematografia brasileira. Também colaborou com seu irmão Radamés Gnatalli para a trilha original de "Rio Quarenta Graus". Alexandre Gnatalli também gravou com sua orquestra os baiões "Pega ladrão" e "Maria Fumaça", de Remo Usai. Este último músico compôs as trilhas sonoras de "A Grande Feira" e "Tocaia no Asfalto". Ao longo de seus 72 anos de vida, Alexandre Gnatalli contribuiu com a trilha sonora de mais de 20 filmes de longa metragem.


Projeto Memória Roberto Pires

A mostra faz parte do projeto Memória Roberto Pires, responsável pela restauração, preservação e difusão da obra do cineasta. O projeto surgiu do amadurecimento de uma série de ações que vêm sendo desenvolvidas após o falecimento do diretor. O projeto Memória Roberto Pires começou, em 2005, quando Petrus Pires encontrou uma cópia de "Redenção", filme que era dado como perdido e encontrado no Instituto Lula Cardoso Ayres, em Pernambuco.
Com o apoio da Secretaria de Cultura da Bahia, em 2010, Redenção foi relançado após restauração digital durante o VI Panorama Internacional de Cinema da Bahia. O governo da Bahia já sinalizou para 2010/2011 o patrocínio para a restauração digital de "A Grande Feira". O próximo desafio do projeto Memória Roberto Pires é localizar uma cópia do filme "Crime de Sacopã" (1963), dirigido pelo cineasta no Rio de Janeiro, e atualmente dado como perdido.

Petrus Pires, coordenador do projeto, ressalta a importância de preservar a memória audiovisual do pai. "Roberto foi um cineasta que sempre trabalhou de forma independente e conseguiu realizar obras que se mantêm atuais. A preservação e difusão de sua obra são importantes para o cinema brasileiro por suas soluções inovadoras que superaram as dificudaldes que encontrou para realizar seus filmes".

Roberto Pires

Roberto de Castro Pires nasceu em Salvador, no dia 29 de setembro de 1934. Com 12 anos, começou a frequentar constantemente os cinemas Pax, Santo Antonio, Jandaia e Aliança, em Salvador. Nestas salas, quase sempre, eram exibidos filmes policiais. Gênero pelo qual Roberto desenvolveu um gosto especial e que lhe rendeu comparações a Hitchcock. Um dia, ao ver cenas da Bahia em um filme no Cine Excelsior, decidiu fazer um filme de longa metragem na Bahia. Para tanto, fundou, junto com Oscar Santana e Hélio Moreno Lima, a Iglufilmes para realizar o projeto.

Para realizar o primeiro longa metragem da Bahia, Roberto decidiu utilizar a mais avançada tecnologia da época, o som magnético e a lente cinemascope. Com paciência e maestria de artesão e contando com a ajuda de seu amigo Oscar, Roberto desenvolveu sua própria lente, a Igluscope, e seu sistema próprio de som magnético. Feito que chamou a atenção de representantes da Motion Pictures, entidade que agrega até hoje as maiores produtoras de Hollywood. Impressionados, voltaram a Los Angeles e, pouco tempo depois, Hollywood patenteava todas as possibilidades de lentes anamórficas e trocava o som magnético pelo ótico.

Extremamente criativo, Roberto construiu outros equipamentos utilizados em seus filmes como gruas, carrinhos, cabeças de câmara, filtros e dezenas de aparatos diversos. Fora do cinema, o cineasta se divertiria fazendo telescópios e outras invenções para os seus dez filhos e muitos netos. Autodidata, criativo e artesão, além disto, uma alma generosa, aberta e solidária, ele se dispôs a transmitir, ou melhor, dar de presente seu conhecimento e suas habilidades para outros realizadores que, no início da década de 60, começavam a fazer cinema na Bahia e no Rio de Janeiro.

Bastante versátil e profissional competente, Roberto Pires participou de trabalhos de outros cineastas, executando diferentes funções. Realizou a montagem de filmes como O Caipora (1964), de Oscar Santana; Choque de Sentimentos (1965), de Máximo Alviani; O Homem que Comprou o Mundo (1967), de Eduardo Coutinho; Di Cavalcanti (década de 70), documentário de Glauber Rocha; e A TV que Virou Estrela de Cinema (1992), de Yanko del Pino. Foi produtor de Barravento (1960), de Glauber Rocha; produtor associado de Como Vai, Vai Bem? (1968), obra em oito episódios, dirigidos pelo Grupo Câmara (Alberto e Walkyria Salvá e outros); e diretor de produção de O Cego que Gritava Luz (1995), de João Baptista de Andrade. Em parceria com Pedro Moraes, Pires foi diretor de fotografia de A Idade da Terra (1979), de Glauber Rocha. E, ainda, responsável pela supervisão técnica e corte de O Mágico e o Delegado (1979), de Fernando Coni Campos.

Serviço

Mostra Especial Roberto Pires, Pioneira da Bahia
Local: Cine Santander Cultural
Rua Sete de Setembro, 1028. Subsolo. Praça da Alfândega. Porto Alegre/RS
Data: 01/09 a 05/09
Programação anexa
Ingressos:
R$ 6,00, inteira
R$ 3,00, para pessoas acima de 60 anos, estudantes e clientes dos bancos Real e Santander

Informações sobre a Mostra:
Tel.: (51) 3287-5718
ecine@santander.com.br
www.santandercultural.com.br

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Gênio artesão

postado por Tatiana Mendonça (REVISTA MUITO) @ 10:50 AM
27 de junho de 2010

Emanuella Sombra

Foto: Arquivo Pessoal

Quando o primeiro longa baiano entrou em cartaz, em 1959, as entradas do Guarany tiveram de ser alargadas. As filas ultrapassavam a calçada do cinema, na Praça Castro Alves, e o número de sessões chegava a oito por dia. A ideia de emendar o rolo de projeção, uma ponta na outra, fazia com que o filme recomeçasse enquanto o público anterior ainda se levantava para sair. Apareceram governador, prefeito. Os jornais não falavam de outra coisa.

Nas três semanas em que foi exibido, Redenção foi sucesso absoluto. Desbancou públicos anteriores, como dos hollywoodianos Fonte dos Desejos e O Manto Sagrado, mas logo saiu de cartaz, porque o dono do cinema tinha de honrar compromisso com a Warner. A distribuidora fornecia as cópias para Salvador e exigia pontualidade nas suas estreias, mesmo que uma produção local entupisse de dinheiro os caixas das bilheterias.

A história em torno de um maníaco estrangulador é apenas um de oito longas de ficção que Roberto Pires dirigiu entre 1959 e 1990. A única cópia existente, um rolo de 16 mm, foi encontrada pela família do cineasta em 2005. Restaurada e remasteurizada com recursos de um edital público, reestreou mês passado em Salvador. Sabe-se lá se por coincidência mística, no Espaço Unibanco Cine Glauber Rocha, lugar onde funcionou o antigo Guarany.

Continua em... http://revistamuito.atarde.com.br/?p=5206


quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Restauração de A Grande Feira: passo vencido

O Fundo de Cultura aprovou a análise documental do projeto de restauração de A Grande Feira. Ainda falta muito para ver o projeto finalmente aprovado. Esta aprovação é apenas mais um pequeno passo para garantir o patrimônio cinematográfico baiano.